domingo, 21 de junho de 2009

MOÇA TOMANDO CAFÉ-CASSIANO RICARDO




Num salão de Paris

A linda moça de olhar gris

Toma café.

Moça feliz!


Mas a moça não sabe, por quem é,

Que há um mar azul, antes da sua xícara de café;

E que há um navio longo, antes do mar azul...

E que, antes do navio longo, há uma terra do sul;

E, antes da terra, um porto em contínuo vaivém,

Com guindastes roncando na boca do trem

E botando letreiros nas costas do mar...

E, antes do porto, há um trem madrugador;

Sobe-desce da serra, a gritar, sem parar,

Nas carretilhas que zunem de dor...

E, antes da serra, está o relógio da estação...

Tudo ofegante, como um coração

Que está sempre chegando, e palpitando assim...

E, antes dessa estação, se estende o cafezal.

E, antes do cafezal, está o homem, por fim,

Que derrubuou sozinha a floresta brutal,

O homem sujo de terra, o lavrador,

Que dorme rico, a plantação branca de flor,

E acorda pobre, no outro dia (não faz mal...),

Com a geada negra, que queimou o cafezal.

A riqueza é a noiva (que fazer?),

Que promete, e que falta, sem querer...

Chega a vestir-se assim, enfeitada de flor,

Na noite branca, que é o seu véu nupcial;

Mas vem o sol, queima-lhe o véu,

E a conduz loucamente para o céu,

Arrancando-a das mãos do lavrador.


Quedê o sertão daqui?

Lavrador derrubou.


Quedê o lavrador?

Está plantando café.


Quedê o café?

Moça bebeu.


Mas a moça onde està?

Está em Paris.


Moça feliz!

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